Gerson King Combo não é “o James Brown brasileiro”

Por Samuel Lima
 
“Aos mestres do funk, reunidas em uma figura só: GERSON KING COMBO!”. 
 
Foi assim que o conheci, pela voz de BNegão em 2001, no registro da gravação de um show do Planet Hemp. De lá pra cá, entendi que o invocado nome é do cara “precursoul” de nosso funk, que começa como carioca e se segue nacional(mente). Nascido em 1943, King Combo vêm a falecer em 2020 por conta de complicações diabéticas. 
 
Sonoramente o Rei Combo deixa 3 discos com seu nome na capa, e muita música como legado de nossa negritude, aquele discernimento que faz da alegria geral do corpo negro a observação branca. “Dançar, como dança um black! Amar, como ama um black! Andar, como anda um black! Usar, sempre o cumprimento black! Falar, como fala um black!”. Gerson King Combo é um dos principais arquitetos da música brasileira. Quem duvidar dessa afirmação pode perguntar para qualquer uma pessoa digna do hip-hop ou do funk do Brasil. 
 
O Rei Combo fez isso se lançando e construindo o soul brasileiro: mostrou em 1977, através de seu primeiro disco, caminhos de encruzilhadas de um som próprio do Brasil, ainda que não seja daqui. E na disposição black, digo que são equivocados os que dizem que Seu Gerson foi “o James Brown brasileiro”, ainda que ele pudesse gostar desse “apelido”. Seu Gerson trabalhou muito pela música até o fim de sua vida, inclusive fora dos palcos – por exemplo, foi produtor de eventos para projetos de deficientes físicos e mentais. Sem ser dono de aviões, mansões, ou coisas do tipo que Brown se envolveu, acredito que a possível comparação entre os dois artistas são válidas, mas, sempre pela negritude, pois, em comum, são homens negros e, no mundo racista, tiveram dificuldades em suas vidas. 
 
Também não deixo de reconhecer o carinho dessas pessoas equivocadas, porque esse tipo de afirmação mostra o que podemos todos, pessoas negras ou brancas, aprendermos com o Rei Combo: diáspora não era o começo, tão pouco o fim, e sim a permanência da música que fazemos desse chão, como original para o mundo. O soul do Brasil é do Brasil, e o funk, a mesma coisa, e isso não são pleonasmos. É só ouvir Gerson e James, sentir suas diferenças e, obviamente, todos os seus encontros, sejam os importados ou os importantes.  
 
De tudo, o ostracismo rima com o racismo, e, nem uma nem outra palavra cabe em nosso momento de luto sobre o Rei Combo. Substituímos essas coisas mesquinhas por qualquer verso dos “Mandamentos Black”, eternizados para a negritude brasileira, quiçá do mundo.
 

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