RESENHA: “O líder em movimento” – BK’

No dia 7 de setembro o rapper BK lançou seu novo álbum – definição que deve ser destacada quando se trata dos trabalhos de Abebe Bikila. “O líder em movimento” é o terceiro de sua carreira solo e o quinto incluindo suas atividades com os grupos Néctar Gang e Pirâmide Perdida. O Polifonia Periférica preparou uma resenha braba sobre a obra após longo período sem produzir conteúdo deste tipo. Estamos de volta, agora na cola do mc mais conceitual do RJ.

É difícil analisar e fazer comparativos sem recorrer a nostalgia quando se trata de um artista que em 2016, na estreia de sua caminhada solo, lançou, talvez, o último clássico do rap carioca, quiçá do rap nacional. “Castelos & Ruínas” é brilhante e foi um marco que inspirou toda a geração de novos “Gigantes” do rap nacional. Djonga, por exemplo, é um dos maiores fãs daquele disco e expôs toda a sua reverência em linhas de suas músicas, além de declarações em vídeos e entrevistas, destacando que Bk carrega em seu DNA sonoro a solidez de quem faz álbuns.

Para entender aonde quero chegar grifando o termo, vamos aos principais atributos do rapper: A empostação de voz característica e estilo de escrita sempre madura prevalece em todas as obras que se traduzem no clima cinzento dos instrumentais à estética visual. Mesmo quando brinca e descontrai em alguma frase, o plano de fundo na escolha de suas temáticas é o que ele mesmo afirma na faixa “Pessoas”, a oitava de seu atual lançamento: “Meu rap, ele nunca foi consciente, ele sempre foi consequente”. Jovem negro de origem periférica e vencedor num país latino americano que se aprofunda em crises desde os primeiros anos de sua carreira – este é o contexto que traz linhas ácidas, realistas e “papo reto” como consequência.

Os que têm a sensibilidade e a frieza na hora de olhar o mundo
Serão os responsáveis pelos outros olhares
Os que nada temem, serão responsáveis por corajosos e covardes
Ser a força, o amor, o poder, a sabedoria
E a luta pela liberdade só acabe quando ela for encontrada
Para que a nossa poesia não seja mais escrita com sangue

O artista é um dos últimos, entre os renomados da cena Rap nacional, que ainda preza por um trabalho completo com início, meio e fim. Os versos destacados acima são as primeiras informações a serem absorvidas pelo ouvinte, eles são recitados pela atriz e cantora Polly Marinho na faixa de introdução “Movimento”. Confesso estar um pouco distante dos lançamentos desse período pós-pandemia, mas não lembro a última vez em que ouvi um disco com uma intro tão impactante e conceituada, logo no primeiro play já senti que o trampo prometia muito. Não à toa, essa faixa já acumula quase um milhão de views no youtube em uma semana, sem clipe nem muito alarde sobre o lançamento.

Mesmo na faixa dois, dedicada ao Bloco 7, seu time de confiança da várzea ao profissional, não houve compartilhamento de linhas com outros rimadores, as participações de demais artistas concentram-se na parte dos instrumentais e backing vocals ou pequenas intervenções – mais uma demonstração de que Bk foge da cartilha de fazer álbuns que mais parecem um compilado de singles com temas predefinidos, participações chave e pouca coesão no desencadeamento sequencial da obra. Longe de ideias egocêntricas travestidas de autoconfiança, o rapper demonstra autoconhecimento e ‘visão ampla’: “Por isso falo pros meus manos, madruga tem seus encantos / Mas só se afunde nos estudos! / Não somos donos mas trabalhamos com a verdade / Se ele fosse ruim eu não rimaria nos beats / Se eu fosse fraco ele não me dava os beats / Temos que estar na mesma velocidade / Que nós sejamos avião uns pros outros / Não bagagem pesada uns pros outros”

Em seguida, “Porcentos 2”, um dos instrumentais que mais curti, uma guitarra enérgica tocada por Filipe Coimbra acompanhada de bumbo e caixa de peso programados por Jxnv$ que dão sustento para dar aquele tapa na cara de quem ‘tá moscando: “Então Mc eleve o nível / Não podemos ser legal, normal, temos que ser incríveis! / Se prepare como quem vai jogar bola / Ou como se fosse na endola”. E outro tapa na cara de quem ‘tá julgando: “Sempre comparamos com futebol ou droga / Foi o que vimos, de onde viemos, essa foi a nossa escola”.

Segue o baile, a quarta música é aquele boombap sujo, com sample sujo, bateria suja, scratch bandido e a pura “Visão” na rima. Essa faixa lembra muito a energia do álbum “Ordem de Despejo” do extinto grupo Subsolo e da mixtape “Café Crime Apresenta: Safra 013” com participação de vários artistas, inclusive o próprio Bk, pelo selo independente Café Crime (esse disco já foi citado como indicação do Polifonia em outra matéria – “clique aqui”. Vale ressaltar: não é porque não há outros grandes rimadores que o disco deixa de ter participações de peso, o DJ que risca e comanda as colagens neste som é ninguém menos que Erick Jay.

“Amor” é o título e o tema da música de número cinco. A abordagem é, mais uma vez, fora da caixa, longe de resumir o tema ao relacionamento de um casal, o eu-lírico chama pra uma conversa íntima quem se aproxima confundindo a admiração pelo glamour com amor genuíno: “É fiel no muito e no pouco, no lixo ou no ouro, no riso ou no choro? / O amor pode matar, mas viver é morrer por amor”. A riqueza de musicalidade nesta produção também chama a atenção, são muitos instrumentos orgânicos fazendo uma cama suave e tranquila para a rima que se intercalam com quebradas de funk que dão suingue e energia para o clímax no refrão, uma verdadeira viagem.

Cruzamos a metade do álbum e, até aqui, todos os beats são produzidos pro Jxvn$, que também divide a composição de cada obra com o Bk. Essa situação só não se repete nas faixas “Poder” e “Universo”, onde Deekapz produz sozinho a primeira e divide com Jxvn$ a segunda, enquanto a composição e autoria de Bk também é compartilhada em ambas, uma com Matheus Henrique Gonçalves e Paulo Vitor Araújo e a outra com Matheus Fernando da Silva.

O disco merece um parágrafo para cada faixa, no entanto, como de costume em nossas resenhas, não gostamos de dar um spoiler completo da obra. Então segue o líder e corre para conferir o produto por completo. Na ficha técnica estão inúmeros músicos e artistas que deram uma bela refinada no disco, tornando-o um trabalho de muita classe, vale conferir cada um na descrição das faixas disponíveis no youtube. A masterização ficou por conta de Mike Bozzi, enquanto os processos de gravação e mixagem foram feitos por Arthur Luna, que acompanha a carreira de Bk desde o “Castelos e Ruínas” e assina como engenheiro de som em diversos álbuns brabos da cena como, por exemplo, “Heresia” de Djonga e o “O pior disco do ano” de Froid.

A liderança é de quem “segue na sombra”, assombrando os inimigos e alertando aos perigos: “Minha mãe ora por mim assim que saio de casa, inimigos oram por eles quando saio de casa” – resenha por Gustavo Silveira, aka Caliban, Polifonia Periférica.

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