Moiô: A ressignificação dos estabelecimentos comerciais nas favelas

Por Denise Bergamo

Sabotage - Campo LimpoA continuidade implica necessariamente a alteração.
Ferdinand di Saussure

É fabulosa a dinâmica da língua na sociedade. Observando dentro das favelas e periferias ela se torna mais ainda, pois ela é multifacetada de um modo peculiar. Pelo regionalismo em dupla perspectiva: seja pela origem da família periférica, ou pela localização da periferia em bairro, distrito, cidade, estado; pela idade; pelos preferenciais na arte, na música, dança e em cada uma dessas artes seus estilos, etc. Muito do vocabulário que era usado em determinada época pode voltar a ser usado com os mesmos significados ou pode transmutar-se para o fenômeno conotativo e dele até partir para os famosos neologismos e tudo sempre na forma coloquial, tanto na fala quanto na escrita, com as elipses, os fonemas, a historicidade da palavra, enfim a criação popular quase que espontânea.

Certo dia, no início deste respectivo ano de 2013, estava eu na garupa da moto de meu irmão quando passamos em uma ruela, dois garotos estavam sentados na calçada e falaram para meu irmão: “Moiô”, gesticulando. Logo o meu irmão me explicou que mais a frente encontraríamos policiais, o que na periferia é significado de enquadro. Comentei que na minha época era o tal de “sujô”, mas acredito que já deve estar batido e manjado, caindo na gaveta da memória do coletivo linguístico.

E a transferência desse fenômeno linguístico, nas periferias também, foi passada para outra esfera de nossa sociedade: para os estabelecimentos comerciais. E isso não é novidade. Um exemplo pueril que pode ser dado inicialmente foram as vídeo-locadoras, que aos poucos viraram lan houses ou bares temáticos e o que mais a criatividade unida a necessidade do comerciante pode inventar. O bar é outro exemplo magnífico de ressignificação, hoje eles abrigam nas periferias os tão famosos e importantes saraus. O que muda também o modo com o qual as pessoas veem as pessoas que frequentam os bares, a boêmia intelectual foi instaurada nas favelas.
E nas favelas, como em qualquer sociedade de sistema capital que se preze, o que dá mais lucro terá maior investimento. Por isso não é de se espantar a explosão de salões de cabeleireiros, de lan houses, de lojas de “um real”, de bares, de igrejas…

Mas o que mais me chamou a atenção foi a consolidação de lava-rápidos, quantos e tantos são eles e neles o bar, o churrasquinho de gato e etc. Muitos, são muitos mesmo, viva a política de crédito para a nova “crasse’ média”, porém nem todas as pessoas que vão ao lava-rápido levam o seu carro, claro, com o bar dentro dele, há outros motivos para se frequentar, assim como os eventos que acontecem neles. Muitos bailes funk são realizados em lava-rápidos, a prefeitura de São Paulo está deliberando sobre locais que terão alvará e autorização para os bailes, acredito que este estabelecimento será um grande candidato.

Porém ainda há outro adendo, para fazer um breve paralelo, no filme “Meu nome não é Jhonny” a rapaziada fritava no açougue, não generalizando, por que isso pode acontecer em outros diversos estabelecimentos, como o é. O que achei curioso é que se fala, por exemplo, em “quatro e vinte” nos dias atuais para um determinado ato, isso se generalizou, como começarão ou já começaram também em se falar em ir ao lava rápido para…

A importância cada vez maior da contextualização para se entender toda e qualquer esfera de ação e práxis humana (redundância a parte). No mais não me parecerá absurdo com o avanço do tempo se falar em ir a Farmácia para se comprar pão e comprar Dipirona no açougue e ainda cada um desses atos com sua aplicação linguística determinada por um fato social

Denise Bergamo da Rosa é habilitada em literatura portuguesa, faz o curso de Serviço Social na Universidade Federal de Ouro Preto e é colaboradora e colunista do Polifonia Periférica

Sharing is caring!

Deixe um comentário