Digitaldubs lança remix de clássico do Gilberto Gil. ouça “Refavela Remix”

Uma transa afro-futurista com Digitaldubs & Giberto Gil

Por Otávio Rodrigues

Digitaldubs, um dos pioneiros na cultura sound system do Brasil, lança “Refavela Remix”, versão atualizada do clássico de Gilberto Gil, com participação do próprio nos vocais, além de Bem Gil ao violão e Jeru Banto no mic.

O single revive a canção e suas origens no universo black dos anos 1970, ampliando sua delicada mensagem libertária e vocação dançante. Certeira e oportuna, a novíssima versão desse batuque ancestral mira os paredões de som e espalha ideias tão atuais quanto há 40 anos.

A refavela / Revela o choque / Entre a favela-inferno e o céu

Refavela, o disco original, lançado em maio de 1977, foi o primeiro “estouro” de Gil, vendeu 11 mil e 500 cópias na primeira semana. Puxado pela faixa-título, tinha um quê de manifesto da raça e valorização da cultura das favelas e periferias do Brasil e do mundo, sentimentos que afloraram em meio à paisagem urbana da Nigéria, que ele conheceu durante o Festival de Arte e Cultura Negra e Africana (Festac), e dos países que visitou logo depois, Senegal e Costa do Marfim.

A refavela / Batuque puro / De samba duro de marfim /
Marfim da costa / De uma Nigéria / Miséria, roupa de cetim

Ele observara o êxodo da população, tribos vivendo em aldeias, barracos sendo trazidos pra cidade por força da industrialização e do processo de desenvolvimento econômico em termos modernos, por força da tecnologia. Mas a poesia de “Refavela”, a canção, vinha afetada ainda pelo fator Black Rio, o que, na opinião do Gil, era um estágio mais avançado desse processo de refavelamento, pois indicava a ascenção social do negro, simbolizava seu sucesso.

A refavela / Revela o passo / Com que caminha a geração /
Do black jovem / Do Black Rio / Da nova dança do salão

“Refavela Remix” chega dando sequência às últimas produções do Digitaldubs focadas em clássicos da música brasileira – óbvios ou não. A mais recente, “Estudando o Dub” (2018), reuniu Tom Zé e Lee “Scratch” Perry – um dos encontros do século, dá pra dizer. O primeiro, das fileiras da Tropicália e de valiosos serviços prestados à cultura brasileira, é o autor de “Toc”, do álbum Estudando o Samba (1976), que serviu de matéria-prima no desenvolvimento da base criada pelo DD. Perry, outro espírito inquieto, é um dos expoentes do dub, que tem a construção e a desconstrução como uma de suas características. 

Ainda que não pensada pra isso, “Refavela Remix” pousou tranquila na sopa sonora do Digitaldubs. Traz a aura nobre de um clássico, aquelas músicas que parecem se tornar ainda melhores com o tempo, e é conceitualmente inserida na ideia do refazer, do recriar, do renovar – a cara do DD. Aponta a África, mas aponta também as áfricas de cada esquina do Rio, São Paulo, Salvador ou Kingston, elas também tentando se reinventar continuamente.

A refavela / Revela aquela / Que desce o morro e vem transar /
O ambiente / Efervescente / De uma cidade a cintilar

A refavela / Revela o salto / Que o preto pobre tenta dar /
Quando se arranca / Do seu barraco / Prum bloco do BNH

Mais de 40 anos depois, a canção segue revelando o salto que o preto pobre e tanta gente tem pra dar, agora com uma feição atual, eletrônica e digital, mirando uma vibe afrofuturista, algo para o qual Gil pode ter dado a letra em suas primeiras impressões sobre o festival na Nigéria: “A consciência de que, além dos corpos da terra, das pessoas da terra e das tribos, existe a cultura que todos fazem”.

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