Existe Machismo no RAP?

Issa PazPor Issa Paz

Essa é uma questão que vira e mexe eu me deparo na vida. É uma questão que eu estou acostumada a responder porque sempre tem uma indagação dessas vinda de um homem. Isso sempre gera um debate, sempre gera um debate aonde dizem que as mulheres no RAP nacional são segregacionistas e vitimistas. Hoje eu vi essa pergunta como uma enquete e tive que me manisfestar diante de opiniões vindas de homens, e mulheres que não cantam RAP, portanto não vivem isso.

Então vamos “deixar” a mulher que canta RAP e sente isso na pele responder: QUEM ME DERA, se o machismo no RAP fosse apenas na requisição de espaços. QUEM ME DERA, se o machismo no rap fosse apenas a questão da protagonização da mulher e a representatividade que é exercida na cena. QUEM ME DERA, se de 10 discos que eu escuto, 5 não tivessem conceitos machistas. Se as letras de RAP pregassem igualdade de direitos e não oprimissem a mim e minhas irmãs.

Mas, vamos lá… o que se alega pra dizer que não tem machismo na cena:
1 – que não tem muita mulher no rap
2 – que tem espaço pra todos, mas todos precisam ser bons para ter esse espaço
3 – que a mulher no RAP é vitimista quando grita por direitos

Então eu vou refutar cada uma dessas afirmações com conceitos históricos da cena nacional feminina:
1 – Tem mulher no RAP, mas não tem muitas protagonistas. Por que? Como a cena do RAP e Hip Hop no inicio foi exclusivamente masculina, as mulheres não se sentiam representadas em nada. As mulheres que existiam no cenário eram esposas e namoradas dos homens que protagonizavam a cena. As poucas guerreiras que deram a cara a tapa no começo de tudo em carreira solo, entre elas Sharylaine, Rose MC, tiveram que ser aceitas se masculinizando. Pois não havia nenhuma representatividade…. como eu, sendo mulher, vou me sentir representada quando as letras de RAP me chamam de vadia pelas minhas roupas, pelo meu comportamento sexual que só cabe à mim? Como eu vou me sentir retratada em uma letra, quando a maioria das letras que se referem à mulher no RAP escritas por homens não chegam à um terço do que realmente é ser mulher? A falta de representatividade exclui as mulheres da cena. Quanto mais mulheres cantarem RAP, mais mulheres se sentirão representadas e dessa forma existirão mais mulheres na cena. Isso tá mudando, mas ainda é um longo caminho a se percorrer.

2- Perai, se todos tem espaço só falta sermos bons, qual é o critério que define isso? Sabemos que já temos pouquíssimo espaço no RAP nacional, que o que temos é feito por nós mesmos, mas nem de longe esse cenário é igualitário… Observem as ultimas festas de RAP, olhe flyer por flyer, quantas mulheres estão presentes nas atrações principais? Poucas? Nenhuma? Temos mulheres talentosíssimas no cenário, quando é que elas são lembradas? É só olhar os RAP BOX. Quantas mulheres já cantaram no RAP BOX? Quantas mulheres participaram do Projeto TALVEZ? Quantas foram lembradas em grandes festivais? A cena do RAP ainda é masculina. Ainda vemos mais homens presentes que mulheres, ainda temos mais atrações masculinas que femininas… A unica mulher que colocaram naquele documentário “O RAP pelo RAP” teve apenas 15 segundos de fala. QUINZE SEGUNDOS? É isso que a mulher MC tem de direito pra escrever a história do RAP? Não falta só espaço, falta a presença feminina em todos esses espaços, falta visibilidade pra quem tá começando agora, pra todo mundo ouvir e ver se gosta ou não… É assim que descobrimos grandes talentos… Mas se não deixam ninguém chegar lá, como vamos descobrir novos talentos? Ou seja, a falta de mulheres na cena é definitivamente excludente e limitada.

3- Se todas as vezes que a mulher gritar por direitos e se unir em prol da visibilidade que precisa ela for vitimista, então vamo parar… Querer silenciar nossa voz é um ato extremamente machista. A cada 15 segundos uma mulher sofre violência, 520 mil mulheres sofrem estupro ou a tentativa do mesmo por ano só no brasil. Todos os dias morrem mulheres, negras, pobres, em sua maioria, sendo violentadas e agredidas pelos seus parceiros. Isso é machismo, não tem outra porra de palavra! Toda vez que alguém coloca um mina pra baixo numa letra, é machismo, do nível mais simples ao mais bruto. A partir do momento que um infeliz chama uma mina de vadia na letra, é machismo. A partir do momento que um outro infeliz que canta RAP incentiva o estupro coletivo de mulheres, é machismo. Quando a mulher é colocada como um adorno ou objeto nas letras ela sofre opressão, isso é machismo. Todas as vezes que uma mulher se SENTIR oprimida, isso é machismo. Ninguém pode sentir isso por essa mulher, eu já senti isso na pele, as mulheres que cantam rap ao meu redor já sentiram isso na pele. Leia o livro Perifeminas I e o volume 2, ambos editados pela Frente Nacional Mulheres no Hip Hop, leia e vai entender o que todas essas mulheres carregam na pele e na alma. Mulheres que largaram tudo pelo RAP, mulheres que foram agredidas, violentadas, que pararam de cantar, de dançar, tocar e pintar pra viver com os filhos, para sustentar um lar. Observe ao nosso redor, somos um reflexo da sociedade, mas o RAP como movimento não deve se limitar a ser um reflexo da sociedade podre que é, e sim temos que transformar nossos eixos para ai sim, poder transformar a sociedade! Existe machismo no RAP sim, e isso não é só questão de opinião ou ponto de vista, isso é real!

Artigo publicado originalmente no blog Issa Paz Devaneios Pessoais – blog da educadora Issa Paz disponível em http://issapaz.blogspot.com.br/2014/10/existe-machismo-no-rap.html

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