“Tá Feliz?”: Ariel Donato lança primeiro álbum solo

O cara não tem do que reclamar: a felicidade está estampada em seu rosto. Aos 30 anos de idade, reconhecido como um dos maiores produtores do trap e do pop brasileiro (MC Cabelinho, TZ da Coronel, Ludmilla e Marina Sena são só alguns dos nomes com os quais trabalhou), Ariel Donato chega ao seu primeiro álbum solo: “Tá Feliz?”. No título, vai um questionamento e, ao mesmo tempo, um desejo:

— É uma característica minha, é a pergunta que eu sempre faço: “Tá feliz?”. E as pessoas começaram a me conhecer por causa disso. Assim, meu álbum tinha que ter uma característica minha. Quer algo mais simples, objetivo e lúdico do que o “tá feliz?”.

Antes de se lançar nesse disco de produtor, com as mais variadas e estreladas participações, Ariel foi conversar com alguém que entende do riscado: Marcelo Mansur, o DJ Memê, pioneiro nessa história de produtores que assinam os seus próprios álbuns.

— O rap, ele carrega isso na sua essência, de tratar o produtor como o cara de frente, sempre como uma parte essencial da música. De tratar ele como um artista, da mesma forma como o cantor que está ali — explica. — O que existe é uma lacuna muito grande de produtores que façam música de voltada para essa realidade brasileira, no sentido de que não seja uma uma música totalmente americanizada, ou também não só voltada para um gênero específico. É música que carregue em si uma identidade de música brasileira. E isso sempre foi minha pira. Por eu ser formado em música, minhas fronteiras nunca se limitaram ao rap.

Garoto de família humilde da Baixada Fluminense, que começou a tocar piano na igreja evangélica, graduou-se em música popular na UNIRIO e só depois descobriu-se produtor de sucesso no trap, Ariel Donato acabou desenvolvendo um estilo de produção que não se baseia apenas nas batidas, mas que lida com arranjos, com as possibilidades dos encontros entre artistas de diferentes universos.

— Eu meio que me senti um elo entre esses mundos que até se conversam, mas são distintos de na sua forma de fazer música — diz Ariel, que abre “Tá feliz?” com um texto seu, de Lisa Lou e Amanda Coronha, lida pela atriz Cláudia Abreu: um resumo das intenções do álbum, embalado por um sample do belo tema instrumental “Parque Laje” (1970), de Egberto Gismonti (“Acho que a gente tinha que trocar essa formalidade do ‘tudo bem?’ por ‘tá feliz?’”, propõe Cláudia).

Feitas as apresentações, o disco começa com “Quem é quem”, no qual os MCs Kawe e BIN enveredam por um Jersey Club em compasso em 6/8, com subida de tom no meio, violão e parte orquestral. “Onde tem fogo, é lá que eu vou / se tem festa, é pra lá que eu vou / o espinho não foge da flor / eu vou onde eu estou sempre rodeado de amor”, avisa a dupla na letra. Em seguida, vem o “Samba de cria”, com Ferrugem e Vulgo FK. Um trap com bossa nova, cheio de r&b ferrugiano e um tanto de picardia (“Papai do Céu caprichou nesse corpo!”).

— Ali, eu resolvi jogar um jogo mais simples, uma cadência de quatro acordes, e deixar que eles seguissem no flow — comenta Ariel.

O clima muda em “Sinceridade”, com um MC Hariel entre piano, cordas e o coral do Instituto Municipal de Belas Artes (Imba). É a música da superação, gravada num quartinho, aquela com a qual o produtor diz querer dar “aquele choque de que a gente precisa na vida para acordar e vencer”.]

E segue o baile. Em “Ninguém Mais na Terra”, Ariel Donato realiza um sonho do MC PH, do funk, de fazer um r&b em estilo Chris Brown. No fim das contas, nasceu um trap-balada, com mensagem forte, de esperança e espiritualidade (“seu destino quem escolhe é você / e ninguém mais na Terra”). Mudando mais uma vez de estilo, o produtor e Santo casamenteiro (“das causas improváveis”, como diz) junta Jorge Vercillo e as MCs Tasha & Tracie no embalo pop-r&b de “Mulher Maravilha”, faixa que parece ter saído diretamente das programações das rádios FM de 1982.

Por falar em improbabilidades, em “Seja o que Deus quiser” Ariel junta ninguém menos que Ana Carolina e o astro do trap L7NNON. Era uma das músicas que o produtor e Ana fizeram juntos e que ele puxou para o álbum, dado o seu sabor pop (“eu sei que eu nasci pra saber / deitar e rolar com você”). Depois, em “Tô pensando na gente”, ele surpreende mais uma vez com Caio Lucas e Orochi, gigantes do trap, em meio a uma levada indie, cortesia da co-produção de Julio Raposo.

Já pensou num trap romântico, cheio de psicodelias de teclados, com duas estrelas da música brasileira de estilos diferentes? Pois foi o que Ariel Donato fez ao juntar MC Cabelinho e Marina Sena em “Labirinto”, faixa cheia de drama (“pra quê falar de sentimento agora? / se tu toca nesse assunto a gente sempre briga / se tu toca nesse assunto, acaba com a minha vida”). E em “Pago pra ver”, mistura de trap com r&b fino, Maru 2D e Kiaz, MCs de respeito, saem da zona de conforto e trançam melodias em versos de muita sensualidade como “ela diz que curte o nosso lance criminoso / beija de verdade porque assim é mais gostoso”.

A finesse está também em “Tapas e beijos”, com Italo Melo e YOÙN (dupla de soul e jazz da Baixada Fluminense), um trap em compasso 3/4, no qual fica evidente o trabalho instrumental do disco, que incorpora instrumentos tocados com maestria, como a bateria de Kainã do Jêje (músico baiano, da banda de Caetano Veloso) e baixo de Julio Raposo. Por fim, a emotiva faixa “Será”, com o paulistano MC Marks, envelopa e abraça a ideia que Ariel Donato tinha para “Tá feliz?”.

“Eu sou muito importante para quem enxerga a alma / a verdadeira alma / tem tempo, vai com calma”, recomenda Marks nessa canção que ganhou, além do piano, uma luxuosa e emotiva cobertura de cordas sintetizadas — mas que ficou sem beats porque, como admite Ariel, com a autoridade de produtor de muitos hits, não precisava mesmo. E assim, sem as amarras da marcação rítmica, a emoção transborda, inunda o estéreo e invade os corações

Uma faixa bônus (o afrobeat “Amei, tentei”, com GAAB) e “Tá feliz” chega ao fim, com o texto de encerramento, de Ariel, em que Cláudia Abreu ensina: “mesmo que ela se esconda numas notas tristes, a felicidade está ali”. Sim, para o produtor, o exercício da felicidade reside justamente “na ressignificação das coisas”:

— O álbum é uma mistura de cores, de sabores, de sensações. Nem sempre a gente está feliz o tempo todo, mas a gente é feliz quando ama, a gente é feliz quando se diverte, a gente é feliz celebrando as coisas da vida. Mas a gente também precisa entender também a nossa melancolia, aquele romance que é uma incógnita, que percorre caminhos escuros. O álbum caminha por essas sensações. As músicas têm suas dissonâncias, têm suas características, mas a felicidade, ela está ali.

Disco maduro, feito ao longo de dois anos, “Tá feliz?” é um primeiro capítulo que se fecha na vida de Ariel Donato. Um trabalho que lhe traz um sentimento “de gratidão, de esperança, de missão cumprida”:

— Quem quiser entender quem eu sou vai entender ouvindo esse disco, ele tem a complexidade que eu carrego dentro de mim. Ao mesmo tempo em que eu sou simples, eu posso ser complexo. E, ao mesmo tempo que carrego coisas rebuscadas dentro de mim, também carrego coisas simplórias.

Gerente artística de Ariel em “Tá feliz”, Ana Paula Paulino, da Warner Music, diz ter visto em Ariel “esse alquimista, o cara capaz de misturar vários estilos e de juntar pessoas, de fazer combinações inesperadas, com artistas que você nunca pensou em ouvir juntos em uma música”.

— Ele é o cara que traz um MC Hariel, um MC Marks, acompanhados de orquestra ou de coral, com uma coisa um pouco mais erudita — diz. — Quando somos pessoas pretas, mas tivemos oportunidades, é como se a gente vivesse nesses dois ambientes ao mesmo tempo. O Ariel conseguir fazer esse intercâmbio. Ele bebe de uma fonte do funk e do trap, que muita gente fala “ah, isso não é cultura, isso não é música”, mas com uma escola de música por trás. Então, não é só feeling, não é só sentimento, também tem muito estudo, teoria. O Ariel junta esses dois lugares. E mostra como esses artistas do funk e do trap são musicais, brasileiros e poéticos.

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