RESENHA: “O menino que queria ser Deus” – Djonga

Voltamos com mais uma resenha sobre lançamentos do Rap Nacional em 2018. Agora foi a vez de Djonga quebrar tudo em seu novo álbum “O menino que queria ser Deus”. Djonga é mais um artista que dispensa apresentações; porém, vamos a um rápido retrospecto: 

O rapper iniciou sua carreira há algum tempo e começou a se destacar nacionalmente em 2016, ano que ficou marcado pela abertura do mercado para talentos de fora do eixo Rio x SP. Alguns exemplos são a repercussão do álbum “2ª via” do grupo “Um Barril de Rap” diretamente do Distrito Federal, o lançamento do single Sulicídio pelos nordestinos Baco e Diomedes, e a ascensão do grupo DV Tribo de Minas Gerais do qual faz parte o próprio Djonga. O mc ganhou notoriedade por sua voz carregada de raiva e acidez, suas rimas malandras com muita facilidade para trocadilhos e sua constante luta por o empoderamento e a prosperidade dos seus iguais. Assim, abriu seu espaço com aparições no canal do youtube “Rapbox”, com participações junto a diversos artistas, incluindo alguns dos citados acima, e ainda com lançamentos de sucesso de sua própria banca.

Iniciou o ano de 2017 com a estreia de seu primeiro álbum oficial, “Heresia”, que foi bem recebido mas não ganhou tanto destaque quanto suas participações e singles ao longo da temporada. Agora, um ano depois, não deixou por menos; a evolução é nítida. Assim como o primeiro disco, esta obra carrega 10 faixas e uma capa pra lá de simbólica. Desta vez, o trabalho conta com mais participações, entre elas Sant e Carol Conka, e algumas experiências com novas sonoridades.

A primeira música, “Atípico”, rasga tudo; é um dos principais sons. Nela, o mc estampa sua marca registrada ao abusar dos trocadilhos e ironias, como na passagem “tão chato nas ideias que o racista me chama de macaco prego”. A faixa é carregada de energia e o refrão tem forte influência de funk, o que casou muito bem como a abertura do disco. A segunda faixa, “Junho de 94”, possui um beat um pouco mais leve, mas o flow carrega a mesma intensidade da primeira. Essa track norteia o conceito do álbum, pois o refrão faz a ligação com o título da obra e a letra discorre sobre a reflexão de como seus sonhos vem se moldando ao longo da vida e de como suas metas ainda são as mesmas, mas a realidade agora é distinta: “[…] antigamente, enfrentar medo era fugir de bala; hoje em dia, enfrentar medo é andar de avião. Antigamente, eu só queria derrubar o sistema; hoje, o sistema me paga pra cantar, irmão […]”. Após a letra, a música se encerra com uma chuva de scratches com samples de frases de clássicos do rap nacional que reafirmam a temática anti-racista do disco.

A primeira aparição de outros mc’s está na terceira faixa, “UFA”, com Sidoka, de Minas Gerais e Sant do Rio de Janeiro. O primeiro rimou com um flow muito original, repleto de swingue, e o segundo veio com ideias certeiras como sempre; porém, nessa faixa, sem tanto destaque afinal, Djonga não foi um bom anfitrião. No quesito lírico, foi tão potente que não deu muito espaço para os seus convidados brilharem. O grande instrumental do disco, na minha humilde opinião, é o da música “Solto” onde quem divide os versos é seu parceiro de grupo, Hot, no primeiro boombap mais clássico do álbum. Novamente, o dono do álbum não deixou barato para o convidado. A faixa inteira é muito boa, mas a batida é de extrema classe e bom gosto. Outro boombap, ainda mais calmo, é o da música mais emocionante do álbum, “Canção para o meu filho”. Nesta, o compositor abre o coração e versa para seu filho, falando das dificuldades de chegar até ali e de seus sonhos de futuro para a criança: “[…] é, coisas da vida, um dia ‘cê vai entender isso tudo, pensando bem, menor, espero que você viva outro mundo […]”.

As levadas mais inusitadas do álbum estão nas faixas “Corra” e “De Lá”. Analisando pelo quesito sonoridade, elas foram as maiores surpresas. Na primeira, ocorrem variações na métrica incomuns ao estilo de Djonga; na segunda, ele foge totalmente do padrão “rap”, com forte referência às religiões de matriz africana, o que deixou o conceito do disco mais enxuto dando maior propriedade aos versos de todo o trabalho. A faixa “Estouro”, em participação com a Karol Conka, teve uma surpresa que tornou o “feat” bastante original na relação entre os versos… mas prefiro deixar os detalhes para que o espectador ouça sozinho e venha comentar conosco!

Como de praxe, fica aquele agradecimento pela sua leitura e, em breve, voltamos com mais resenhas e dicas sobre o rap.

Resenha por Gustavo Silveira, aka Caliban, Mosca Produções, Polifonia Periférica

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