Uma pequena historieta sobre privilégios e falta de empatia

Por Karina Vieira

Há um ano eu estava em um encontro de uma grande editora com a única colunista mulher de uma certa revista da imprensa marrom. Lançamento do seu novo livro, e é sempre importante esse contato com os livreiros, afinal eu era uma daquelas que indicam livros para os clientes que chegavam, as vezes, sem saber muito que livro levar.

A colunista começa a falar sobre a atual conjuntura política, diz que o livro não é um ataque a ninguém, mas que de uma certa forma, é a visão dela sobre a contemporaneidade. Dá a sua opinião sobre a forma errônea e desrespeitosa com que os professores são tratados e pasmem: chega no tema cota.

Numa sala onde estavam três mulheres negras, ela se sentiu muito confortável pra dizer que é contra as cotas, que o ideal seria educação de qualidade para todos e não ações que beneficiam parte da população.

E que ela sabia do que estava falando pois tinha netos “mulatos” e que esses não quiseram entrar na universidade por esses métodos.

Bem, após verificar que a minha cara estava roxa e que meu olhar podia transpassa-la tamanha era a raiva, pensei em duas coisas:

1) Ela vem do interior do Rio grande de sul, teve sua infância toda pautada em abundancia de recursos, re-conhece as suas raízes germânicas desde 1825 e fala com muito orgulho sobre o seu pai, fundador de um renomado escritório de advocacia no sul.

2) Eu que venho do subúrbio de Realengo, passei por privações a minha infância inteira, não conheço sequer a minha bisavó que foi escravizada e fui criada na ausência de um pai.

AH e eu sou cotista e foi graças as cotas que passei no vestibular e sou a primeira mulher formada da minha família.

O mundo em que vivemos, eu e essa colunista, parece ser o mesmo, porém enquanto ela sabe muito bem de onde veio, eu ainda busco minhas raízes, enquanto ela segue olhando para o próprio umbigo, eu sigo coletivamente.

Ela fala de igualdade de oportunidade e não se liga que, igualdade sem equidade é desonestidade.

Karina Vieira é formada em  Publicidade e Propaganda e integra o Coletivo Meninas Black Power.

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