Rapper angolana GIRINHA fala sobre sua trajetoria no Hip Hop

Entrevista realizada por Nanizaiawo Morgan, colaborador do Polifonia Periférica em Luanda (Angola), com a rapper Girinha.

O que te vem a cabeça quando vês as iniciais MC? Com certeza pensas em Mestre de Cerimónias. Ela usa as iniciais e adaptou-as a si, ser MC pra ela é ser uma Mulher de Coragem. Para uns é a melhor Rapper do país e para outros é simplesmente uma das melhores. Certeza mesmo, é que ela é uma das mais antigas MC´s do Movimento Hip Hop angolano e com 15 anos de carreira mantém-se firme até hoje. Continua a fazer o RAP que lhe apetece com amor e com alma e por isso hoje está no “SPACE”. Ela “É MEMO”…

Quem é a Girinha?

Uma GUERREIRA.

É assim que te defines?

Na verdade eu tenho o estranho pensamento de que quando as pessoas se definem se limitam. Eu sou humana, as unicas certezas que tenho são: A Mudança e a Morte. Muito do que era ontem, hoje ja não sou. Agora imagina tu se me definir?

Podes pelo menos definir a rapper e não a pessoa?

Tou na batalha faz muitos anos. Nesses anos todos fui uma mutante no Rap. Me descobri, me superei, me surpreendi.Como Rapper tenho me explorado bastante e extraído de mim mais Diversidade. Há quem já tenha me chamado underground, comercial, etc. Mas tenho preferido fazer o que me apetece. Foi nas ruas que me tornei Mc, na Mong. Comecei como todo Mc começa, freestyles e o sonho de levar aquilo pro radio. Era miuda e hoje sou mulher, muitos dizem-me (MC) Mestre de Cerimonia mas hoje me sinto mais (MC) Mulher de Coragem

Quando e em que circunstâncias é que entra para o RAP?

Fins de 98, uns amigos falaram comigo, disseram que eu tinha o perfil que procuravam para o grupo deles. E assim criamos a Rown Squad. Com o Tuly, Kadaff, Obbie, B Weiser e Guardilha. Foi com esses 5 rapazes que conheci o Rap.

Numa sociedade altamente conservadora e numa época que era ainda pior, o que a incentivou a aceitar o convite deles?

Eu já ouvia rap, ja tinha uma paixão por ele. Fez parte da minha adolescência.

Onde foi buscar forças para enfrentar o mundo num estilo que já não era bem aceite nem mesmo para os homens?

Na altura era uma rebelde (risos), adolescente, o rap era um escape, uma forma de expressar a minha rebeldia. Confesso. Mas o amor que dediquei ao que fazia me deu forças pra seguir adiante.

Quais são os problemas que teve que enfrentar em casa, na escola ou mesmo na rua com os próprios rappers?

Na altura que comecei a dropar tava a concluir o médio. Não tive problemas na escola, em casa a princípio a minha Mãe se opôs porque pensou que me afetaria como pessoa, mas acabou por ceder. Quanto aos rappers (tirando o pessoal do meu grupo), a principio travei uma batalha para provar o meu valor. E acredito que eles só perceberam para o que vim quando saí com o som “Cabeça Vazia ( a resposta)”

Qual a situação mais absurda que viveu naquela época?

Não me vem nenhuma a cabeça agora. Lembro só que saiamos da Mong até a Feira Ngoma a pé e voltavamos da mesma forma já a noitinha. E lembro também na altura da musica “cabeça vazia” que tentaram me agredir hahaha

Entrar no RAP numa época em que havia meninas como a Donna Kelly, Afro Dite e outras. Qual a influência que qualquer uma delas teve em ti?

Quando entrei elas estavam lá, felizmente havia espaço pra mim também. Respeito-lhes hoje como fiz quando comecei a dropar. Nunca competi com elas porque percebi logo de primeira que por ser um estilo em que os homens eram a maioria, precisávamos partilhar o espacinho que nos cabia. Elas me influenciaram na atitude, na garra, a mascarar o medo de coragem. Com elas aprendi o que nenhum homem saberia me ensinar, pegar a armadura e o escudo e ir pra batalha da forma mais feminina que pudesse.

O que era ou é mais difícil, ser rapper ou ser rapper no meio de homens?

Acho que ser rapper. Ser mulher é de certa forma um diferiencial. Quando parei de ver os homens como empecilho comecei a ser mais aceite e respeitada no meio. Ser rapper não é facil e é isso que lhe torna ainda mais interessante. Ter que provar constantemente que sou boa naquilo que faço e que gosto, é cansativo mas é um cansaço bom. Durmo feliz.

Conte-nos como é que era o RAP e o Movimento Hip Hop naquele tempo…

Creio que naquele tempo o Rap se fazia sentir mais, nos festivais, nas ruas, nas radios. Não que agora não faça, acho que temos levado muito a sério isso dos “beefs” e feito menos pela cultura, pelo movimento. Antes havia a união e isso fazia o Rap crescer ( como numa familia unida), agora tá muito mais para se provar quem é melhor que o outro e acabamos por cair na mesmice. Antes o movimento “Hip-Hop” existia, os Grafiters, os DJ´s, os BreakDancers… Agora tem muito mais RAP. O valor dos outros elementos se perdeu um pouco. Minha humilde opinião.

Tem saudades desse tempo? Sente que o Hip Hop perdeu a sua essência por isso?

Acho que cada um deve fazer a sua parte. Apesar de ter que me adaptar as mudanças, isso não significa que devo me conformar. Saudades tenho, mas não posso viver do passado. A essência continua a mesma, bem no fundo, mudou só o frasco

Ficou muito tempo fora dos palcos e do Movimento em si, só voltamos a ouvi-la na Mixtape No Dia D e na Hora H e depois no FUBA. Porquê esta ausência?

Estive no Brasil, em São Paulo. A fazer um curso Superior. Aproveitei esse tempo para ter aulas de canto e teoria musical, no conservatorio “Souza Lima”. E fiz uma participação numa musica do Rapper brasileiro “Afro X” (Todos olhos em Mim)

Que avaliação faz ao nível da concorrência (positiva) feminina de quando começou e do que tem hoje?

Acho positivo que haja concorrência. As comparações são inevitaveis. Há gente que gosta do meu trabalho e há gente que prefere outra MC. A concorrência quando saudável é uma mais valia pro movimento.

Quando comecei havia excelentes MC´s, assim como agora. Acho que a concorrência continua no mesmo nível, teve um tempo que teve nula mas agora voltou a tar nota 10. Espero que continue

Tens sido procurada por jovens rappers para beber da tua experiência?

Sim tenho. Mas muitos da “New School” pensam que sou nova também. Ja me chamaram pra entrar num projecto da New School e num de novos talentos.

 Durante esses anos todos, o que podemos encontrar no mercado como fruto desta experiência, em termos de Mixtapes e/ou álbuns?

Tenho um single, lançado em 2005 e tenho participações em mixtapes como Poetizas, No Dia D na hora H, Deus da Guerra. Participei no Fuba, entrei no novo álbum da minha Produtora e agora vou participar no Não Pego Leve (Remix) e trabalhar no meu álbum ainda sem data prevista pra sair

Mas teremos ainda este ano?

Se Deus quiser mano… Tou a lutar pra isso

Conte-nos a história por detrás da música “SOU MEMO”

A musica Sou Memo foi uma clara declaração de amor ao meu namorado. E uma forma de dizer para os jovens da banda que o amor existe e o dinheiro importa mas não é tudo. Que é preciso amar sem sentir o bolso primeiro. Que é bom ter alguém pra lutar juntos. Pro que der, pro que tiver, pro que vier. No Brasil, eu e o meu damo ja vivemos no gueto, hoje vivemos melhor e ambos lutamos para melhorar as nossas vidas. Isso é amor, dinheiro é só um acessório.

Quis mostrar que é possivel, que mulher é a que tá na back do broto e vice versa. O Pão Deus proverá

Então és mesmo a dama q vai ao club mesmo sabendo que o homem não tem dinheiro pra pagar a conta?

Yeahhhh… vamos correr os dois hahahaha

Que sacrifícios é que farias pelo teu “Wi”?

Todos que estiverem ao meu alcance.

Qual tem sido o retorno que recebe das pessoas sobre esta música? É o que esperavas?

Recebo de volta uma energia muito positiva. Pessoas a postarem frases da musica pra dedicar aos seus amados. Foi uma musica muito sincera por isso as pessoas acreditaram.

Era isso que esperavas quando gravaste a música?

Sim era. Que pessoas que sentissem o que sinto se identificassem. Pessoas que ainda acreditam num amor que pode tudo.

Como quando oiço “is this love” do Bob Marley… Acredito naquele tipo de amor… Que pode tudo

Bob Marley faz parte das tuas influências?

Bob Marley … Me influenciou mais como pessoa do que como artista. Apesar de ser associado a drogas, suas musicas têm mensagens tão boas,tão inteligentes, tão positivas. Com certeza influenciou na formação do meu carácter e personalidade. Foi meu conselheiro desde sempre.

E quem faz ou fez parte das tuas influências como artista?

Black Company, Lauryn Hill, 2 PAC e muitos outros mas esses que citei me fizeram CANTAR

Acredita se eu dizer que com esta música conquistou novos seguidores?

Com o Sou Memo? Serio?

Fico feliz se ganhei mais guerreiros. É pra isso que tenho trabalhado e é bom quando as pessoas dão esse feedback… Obrigado MEMO

É esta a Girinha q teremos daqui pra frente ou ainda vêm surpresas? Falo em termos de escrita, Flow…

Como disse Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo”
Vou me deixando mudar, vou me deixando evoluir. Escrevo melhor que ontem e com certeza pior que amanhã… Espero me e vos surpreender sempre. Acho que as supresas vão continuar.

Depois de assumir que “És memo”, o que vem a seguir? Pra quando?

Bem logo a seguir saiu o álbum da Galaxia. Agora vamos vender o álbum do Tafinha e pra Maio, Agosto e tal são shows. Mas com certeza que durante esse periodo vão saindo outras cenas…

E pra quando a próxima música exclusiva da Girinha?

Para breve. Não tem data ainda. Só garanto que será mais do que uma

Que avaliação faz do conteúdo das mixtapes e álbuns que saem no nosso mercado?

Olha decidir o que é bom ou mau cabe a cada um… Eu acho que há muita cena boa no mercado, não sou muito Juíza. Acho que tem muita cena boa a sair, cada um para o seu tipo de publico.

Não se tratando de decidir sobre o trabalho dos outros, acha que na generalidade os rappers têm trazido o que deviam?

Acho que julgar um rapper como um todo é matar o Rap. Há vários estilos de rap e há rappers para cada estilo. Se todos rappers fossem Mc K seria mesmice. Cada faz melhor o que sabe e o que vive. O que deviam? Cada um traz o seu Ritmo, a sua Arte e a sua Poesia.

Quer dizer que de uma forma geral te sentes satisfeita com o RAP que é feito?

Me sinto satisfeita com o rap que tenho feito e com o Rap que tenho ouvido.

Sente-se no conteúdo das músicas de alguns rappers uma certa banalização das mulheres. Isso não te preocupa?

Preocupa. As mulheres que morreram naquela fabrica no dia 8 de Março devem revirar-se nos túmulos (risos). Mas se isso não existir como é que se fará a diferença?

Foi com base nisso que decidiu fazer a resposta da música “Cabeça Vazia”?

Decidi fazer a música pelos homens que banalizam as Mulheres. Numa altura em que ligava o rádio e só ouvia que a Mulher não valia nada. Não sei como é que certos homens conseguem olhar no olho das Mães e irmãs.

Teremos no seu trabalho alguma música a falar disso?

Com certeza.

Porque acha que isso acontece?

Há mulheres que se desvalorizam, assim como homens. E muitas vezes o resto sofre as consequências

Como é q é trabalhar com o Tafinha q é um dos melhores produtores nacionais?

O Tafinha é uma pessoa excelente, do tipo em extinção. Como produtor, além de ser único, criativo e eterno aprendiz, respeita o que fui e quer fazer parte do que ainda serei. É simplesmente uma honra para mim trabalhar com ele.

Mostrou-te o caminho e matou a tua sede…

Com certeza.

É considerada por muitos como a Rainha do RAP angolano. Acha que merece este título?

Um jeito de certa forma carinhoso de muita gente me definir. Se mereço? Acho que as pessoas que assim me chamam podem dizer-te, eu acredito apenas no meu potencial e valor e acho que mereço vencer. Se não for arrogância dizer isso.

Consideremos a Girinha como sendo apenas uma rapper ou é mesmo alguém que vive a Cultura HIP HOP?

Confesso que já vivi mais. Hoje vivo mais o elemento Rap. Mas não pretendo continuar assim, voltarei a entrar mais na Cultura.

Uma mensagem para os rappers…

Menos guerra mais cultura…

 Para os fãs…

Obrigado por tarem na linha de frente. “GUERREIROS MEMO…”

E como é moda os rappers falarem em haters, deixe também uma msg para os teus…

Apesar de achar que muita gente que é chamado hater, apenas querem dizer a verdade… Pros odiadores, vocês são motivadores. “Me Chama de Livia, haters pra Turquia”

Para os bloggers…

Sem o vosso trabalho e apoio, essa missão seria impossível. Obrigado.

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