DICAS DE LIVROS – “A LARINGES DE GRAFITE ” – ADRIANO NUNES

DICAS DE LIVROS – “Periferia pura”.

Por: Antonio Cicero

A obra: LARINGES DE GRAFITE.

Autor: ADRIANO NUNES.

Editora:  Vidráguas  – 2012

A obra: LARINGES DE GRAFITE

Se é verdade que o poeta moderno é aquele que, a partir da assimilação da lição das vanguardas do século XX, sabe aproveitar as possibilidades tanto de abrir novos caminhos formais e temáticos para sua arte quanto de nela trilhar e/ou modificar qualquer dos caminhos já abertos pelas inúmeras tradições que o mundo sem fronteiras temporais ou espaciais lhe dá a conhecer, então devemos, usando a expressão de Rimbaud, dizer que Adriano Nunes é um poeta absolutamente moderno.

Sua formação provém dos mais diversos e mesmo díspares registros. Adriano é um poeta que mergulhou profundamente tanto em obras clássicas, como a de Camões e Shakespeare, quanto em contemporâneas, como a de Eucanaã Ferraz e Arnaldo Antunes; tanto nos poemas de Drummond quanto nas canções de Adriana Calcanhotto e Péricles Cavalcanti; tanto na obra discursiva de Waly Salomão e Ferreira Gullar quanto na concreta de Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari. E não admira sua afirmação de que o primeiro poeta a entrar na sua vida, seu mestre maior, tenha sido Fernando Pessoa ou que, num poema lapidar (“Um eu qualquer”), diga:

dentro da gente
há vários… quantos?
neste momento
um outro quer
se revelar.

De fato, do ponto de vista formal, é impressionante a desenvoltura com que Adriano experimenta incessantemente com a linguagem, não apenas quando emprega recursos visuais (vide o triangular Quéops), mas também ao empregar o verso métrico ou o verso livre. Quanto a este último, chamo atenção, por exemplo, para o esplendidamente sintético poema “do desejo”. Observe-se também a seguinte, criativa translineação que ocorre na primeira estrofe do poema “A poesia” (ênfase minha):

Seta sem forma,
A poesia
Perpassa,
Atravessa
A sala,
O quarto,
O inabitável,
Revira as gavetas
Do armário,
Voraz,
Veloz,
perfura o in-
visível

Adriano Nunes

Aqui, a partir do verbo perfurar (antecedido e reforçado, ademais, pelos verbos perpassar e atravessar) lemos o prefixo in- inicialmente com o sentido de, nas palavras do Houaiss, “movimento para dentro”, como em “imergir”, “impelir”, “irromper” etc. Ora, no poema, esse primeiro movimento é interrompido quando, conectando o prefixo “in-” com a palavra visível, ele assume o sentido de privação ou negação. Contudo, o primeiro sentido sugerido continua conosco, enriquecendo a leitura.

Adriano é capaz de nos surpreender mesmo ao utilizar formas fixas, como no belo soneto trissilábico “outro verso”. É também digno de nota, nos seus poemas metrificados, o emprego significativo do recurso – versifico por excelência – do enjambement, como ocorre entre o segundo e o terceiro verso da primeira estrofe de “a palavra bruta” (ênfase minha):

essa brusca busca,
pesada, à procura
do nada, a palavra
feito brasa, pura,
por mais que se ofusca

E esse poeta, lúdico ao usar as formas fixas tradicionais, rigoroso ao empregar o verso livre, e onírico ao se valer de recursos visuais, não conhece limitações temáticas. O corpo, o amor, o mundo, a cidade, a noite, a solidão, o mangue, tudo é matéria para seus poemas. E, além de ser celebrada no livro inteiro, a própria poesia é admiravelmente tematizada em diversos poemas.

Não tendo a menor dúvida de que Adriano Nunes é um dos mais expressivos poetas de sua geração ou de que, livre de amarras, dogmas, ideologias e escolas, Laringes de grafite é um dos mais belos livros de poemas dos últimos tempos, deixo as últimas palavras com três versos do poema “do que quer ser concebido”:

palavras são para isso,
sim, para inventar
o paraíso.

A Arte de capa do livro Laringe de Grafite é de Gal Oppido com arte final de Ricardo Hegenbart, e edição Vidráguas,

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