UM SORRISO NEGRO atrás das grades

Por Sérgio Rosa
Estamos acostumados a ver a realidade das prisões, pelo que a mídia nos propõe a ver. Não o que nossos olhos realmente veem. Nenhum tipo de aprisionamento é aceitável ou inquestionável. É compreensível isso! Desde que esse aprisionamento não ultrapasse a lei do físico. Estar preso por ter cometido alguma penalidade, alguma infração, isso é correto. Mas aprisionar o ser, inviabilizando a ele qualquer forma de acesso a atividade sócio cultural. A alguma formação mínima. Isso sim seria um aprisionamento completamente desumano. Pois estaríamos aprisionando o espírito, não apenas o corpo.

Estivemos semana passada, dia 18, na Penitenciaria Feminina Madre Pelitie em Porto Alegre. Já vivi varias e diferentes emoções nos palcos cênicos da vida. Mas essa foi uma experiência incrível. Num primeiro momento tensão, pois estávamos entrando para o outro lado das grades, as imagens que nos vem a mente, são as que a mídia nos propõe na grande maioria das vezes. Mas depois de adentrarmos esse imaginário, o que percebemos dentro do espaço que nos foi proposto pela direção da penitenciaria foi uma realidade diferenciada. Um calor humano impar. Olhares humanizados. Lágrimas em diferentes rostos. Se tirássemos os brasões das roupas de algumas funcionarias da penitenciaria ou da segurança publica, não saberíamos dizer quem era quem naquela situação, pois o que víamos eram apenas olhares emocionados. Funcionários, detentas e atuadores… Se mudássemos os nomes, o nome seria apenas um ‘EMOÇAO’. A energia das vozes cantando junto conosco ‘Um Sorriso Negro’, ‘Negro Nagô’, ‘O que é, O que é” e ‘Olhos Coloridos’, saiu tão ao natural que parecia fazer parte do contexto da espetáculo.

O poder da discriminação é muito grande, muito forte, ele nos corrompe também. Quando entramos, apenas conseguíamos perceber, imaginar os crimes, os delitos, os motivos pelos quais o nosso publico estaria ali encarcerado. Esse era o nosso lado ‘HOMEM’ agindo em nossa mente. Nós erámos os corretos e elas a parte impura da sociedade. O percentual o qual não pertencíamos. Mas quis Deus, que nos despíssemos de todos os preconceitos e percebêssemos apenas o humano naquele momento. Pois era isso que ali estava. Os crimes, as mazelas, os delitos, aquietaram-se por um instante. A lei que vigorava, era a da harmonia, sancionada e posta em pratica, pelo poder de transformação que a cultura tem. E passamos a perceber que todos nós, indiferentemente de negros ou brancos, temos nosso lado bom e nosso lado mal. O que víamos naquele momento eram mães amáveis, com seus filhinhos. Eram crianças que estavam ali aprisionadas atrás das grades, mas que estavam enlaçadas pelo seio maternal. Autoridades, até então duras e rígidas, permitirem-se chorar diante daquelas que só recebiam a lei da penitenciaria. Víamos segurança publica e apenadas degustando do mesmo doce, saboreando o mês chá, preparados por mãos algemadas, daquelas que já estavam ali há anos.

É isso que a lei 10639 veio propor! Que para um homem, tornar-se um ser humano, ele precisa ter referencias. Ter boas referencias. Como uma criança negra, vai se tornar um ser humano, com alta auto estima, com força de vontade para seguir em frente sem medo, se ela cresce vendo nos livros suas referencias sendo chicoteadas. As imagens dos livros mostrando negros em situação de submissão? Escrito nos livros que as religiões de matrizes africanas são coisa do demônio? Hoje cerca de 60% do fiéis das pentecostais, são negros. Muitos fiéis da igreja católica, são frequentadores de terreiros. Será que reza a lei do ‘faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço’? Foram 400 anos de escravidão! E mesmo assim nasceram Machado de Assis, Chiquinha Gonzaga, Oliveira Silveira, José do Patrocínio, Zumbi dos Palmares, João Candido, Lupicínio Rodrigues, Mãe Menininha do Cantua e tantos outros negros e negras que fizeram historia e que são historia. Mesmo a educação tendo sido um direito da NEGRADA a partir da década de sessenta. E aprece uma falácia, porque mesmo no século XXI, a globo faz uma Chiquinha Gonzaga branca e a Caixa Federal, um Machado de Assis branco. O que isso nos quer dizer? Como compreendemos isso? Como a NEGRADINHA vai crescer, que em plenos século XXI suas boas referencias ainda sofrem pelo sistema do branqueamento? A lei 10639 não vem dizer, nós somos melhores que eles, ela só vem propor um direito. O ideal dela é diminuir as distancias que são enormes. As cotas hoje, são a lei do boi ou das sesmarias do passado. A realidade de hoje, é fruto de uma causa que aconteceu a poucos anos atrás. Por que temos tantos negros e negras nas prisões? Por que temos tantos negros e negras, usando drogas? Por que a evasão escolar é muito forte entre os negros? Por que existem tantas mães adolescentes negras? Por que a grande maioria das favelas são de pessoas negras? Por que os funcionários de chão de fabrica a maioria é negro? Por que nas universidades existem quase nenhum professor negro, e numero de funcionários de serviços gerais é a maioria? Por que você não quer um negro administrando sua empresa, mas aceita ele fazendo a segurança da mesma? Ou por que você não quer uma negra no setor pessoal da sua empresa, mas aceita uma negra cuidando dos seus filhos, preparando a sua comida? Num primeiro momento parece uma contradição! Mas o que você pensa a respeito?

Sérgio Rosa é Diretor da Cia Teatral Afro-Cena

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One thought on “UM SORRISO NEGRO atrás das grades

  1. IMPORTANTÍSSIMA ESSA REPORTAGEM. TEMOS QUE CRESCER EM TODOS OS ASPECTOS DA SOCIEDADE, MAS ESTAMOS EVOLUINDO. AS ALGEMAS AINDA ESTÃO EM NOSSA ALMA, SÃO OS EFEITOS DA ESCRAVIDÃO AINDA. MAS ESTAMOS AÍ, RESISTINDO E CONQUISTANDO OS ESPAÇOS…

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